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EU, ELDER F.


Livros, filmes, fotografias e histórias contadas pela metade.

Resenha: 'Columbine' - Dave Cullen

Os dias, que antes eram preenchidos com longas leituras, agora se resumem a escolher o que cozinhar para a janta e a separar as roupas escuras das claras na hora de lavar a roupa. É verdade o que dizem, afinal, que quanto mais velho você fica, mais o tempo fica escasso. De todo modo, aos poucos tento me reencontrar nos livros e não é que o início do ano até que tem sido melhor do que eu imaginava no quesito leitura? Dei uma passada na Barnes & Noble um pouco depois do Natal e acabei comprando Columbine do jornalista Dave Cullen. No início de janeiro dei início a leitura, mas eu não esperava que o livro, apesar de bem escrito e documentado, fosse tão perturbador.

No dia 20 de Abril de 1999, a divisão de polícia da cidade norte-americana de Littleton no Colorado recebeu uma ligação da professora Patricia "Patti" Nielson através do 911. "Olá, sou professora na Columbine High School. Tem um estudante aqui com uma arma e a escola está em pânico. Eu estou na biblioteca e há estudantes escondidos debaixo das mesas, crianças! Elas estão gritando enquanto os professores estão tentando assumir o controle das coisas. Precisamos da polícia aqui." Na ligação para o 911, Patti errou apenas no número: eram dois atiradores, Eric Harris and Dylan Klebold, ambos alunos do último ano do ensino médio.

Na história dos Estados Unidos, o Massacre de Columbine, como ficou conhecido, se tornou um marco na relação do país com as armas, bullying e a mídia. O evento, que se eternizou na cultura popular, serviu como inspiração para músicas como "Pumped up Kicks" da banda Foster The People e para filmes e séries, como visto na primeira temporada de American Horror Story com o personagem Tate Langdon, e, o mais preocupante, serviu de inspiração para outros adolescentes ao redor do mundo que, convencidos de que o massacre tivesse sido uma reação às práticas de bully, veem Eric e Dylan como heróis. 

No anseio de encontrar culpados e determinar causas enquanto os próprios investigadores ainda tentavam ligar todas as peças, a mídia transformou o massacre em um show de especulações. De início, os autores do crime eram terroristas, depois se tornaram góticos e enfim se transformarem nos oprimidos. No que diz respeito as vítimas, de início foi noticiado que os evangélicos eram o alvo dos atiradores, por causa da história de Cassie Bernall (que foi desmentida), até que a mídia chegou em um consenso de que na verdade os alvos eram as crianças ricas, talvez mais especificamente os atletas da escola.

As investigações acabariam desmentindo as teorias, mas de forma tão tardia que a mídia, depois de ter propagado tantas inverdades, já não estava mais interessada em falar sobre Columbine. A família da Cassie Bernall já estava capitalizando em cima da história da filha, história que nunca aconteceu e que ninguém sabe exatamente quem inventou. O boato era de que um dos atiradores havia perguntado a Cassie se ela acreditava em Deus, e, ao dizer que sim, ela teria se tornado uma das vítimas do massacre. Enquanto que os copycats, que copiam os comportamentos de outras pessoas, já começavam a arquitetar seus planos de vingança contra seus agressores tendo como inspiração Eric e Dylan. 

No relatório final do caso, depois de os investigadores terem tido acesso aos diários e vídeos dos assassinos, uma realidade não tão interessante para os que transformaram os perpetradores em ídolos veio à tona: os dois se encaixavam melhor na categoria de sociopatas. O que foi planejado por eles para ser um dos maiores casos de terrorismo doméstico dos Estados Unidos, acabou em um tiroteio pois nenhuma das grandes bombas projetadas pelos assassinos chegaram a funcionar. Em um dos diários do Eric, ele mencionava o desejo de destruir a humanidade ("kill mankind"), mas destruir a escola inteira era o máximo que eles poderiam almejar, então esse se tornou o plano. Juntos, os dois mataram treze pessoas e feriram vinte e quatro.

Columbine não foi o livro mais agradável que já li, mas definitivamente ratificou o poder da mídia em desinformar, sendo que as consequências dessa desinformação são difíceis de serem mensuradas. Em uma busca rápida no Youtube por vídeos sobre Columbine, é fácil encontrar vários comentários exaltando os assassinos. Uma investigação de três anos atrás do jornal Mother Jones mostrou que o Massacre de Columbine inspirou pelo menos 74 outros ataques ao redor do país, sendo que a resposta da mídia ao incidente foi claramente um dos motivos que tornaram o massacre tão simbólico.

Não indico Columbine para aqueles que talvez tenham passado por uma experiência de perda ligada à violência com armas, visto que as histórias, dos sobreviventes e dos familiares das vítimas, podem servir como gatilho. No entanto, o livro pode ser visto como um passo inicial para discussões sobre sociopatia, porte de armas e o papel da mídia ao retratar casos similares ao massacre. Não podemos nos dar ao luxo de incentivar outros jovens a repetirem o que aconteceu por causa da forma como contamos a história. Se algo pode ser aprendido a partir de uma tragédia, é o que poderia ter sido feito e o que iremos, como sociedade, começar a fazer para evitar outros incidentes como esse de acontecerem, sendo que Columbine do Dave Callen levanta todos esses questionamentos.

Título: Columbine

Autor: Dave Cullen

Ano da Edição: 2016 

Ano de Publicação Original: 2009

Páginas: 432

Editora: Twelve