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EU, ELDER F.


Livros, filmes, fotografias e histórias contadas pela metade.

Resenha: 'Travessuras da menina má' - Mario Vargas Llosa

Após seis anos de graduação somados a um ano e meio de intercâmbio, concluí, enfim, o curso de Ciência da Computação no início desse ano. Dentre as felicitações e os presentes, ganhei dos amigos um livro de um autor peruano premiado: Mario Vargas Llosa. O conhecia bem pouco até então por causa de uma referência ao seu livro Guerra do fim do mundo no prólogo da edição especial de 30 anos de Viva o povo brasileiro do João Ubaldo Ribeiro, onde o escritor e editor Rodrigo Lacerda afirma nas primeiras páginas que Viva o povo brasileiro faz par com Cem anos de solidão do Gabriel Garcia Marquez e Guerra do fim do mundo do Llosa. 

Evidente que se alguém diz que um livro está no mesmo patamar que Cem anos de solidão, prontamente lerei a obra em questão e procurarei saber mais sobre o autor, mas por artimanha do destino e desejo dos amigos outro livro do Llosa veio parar nas minhas mãos: Travessuras da menina má.

Na contra-capa uma dúvida é suscitada: qual é a verdadeira face do amor? Não sabemos de início, mas a narrativa dramática e cômica de Llosa nos apresenta diferentes faces em diferentes lugares do mundo que nos levam a traçar os caminhos percorridos por uma relação de amor conturbada.

Travessuras da menina má cruza quatro décadas de um amor cheio de tormentas, não correspondido e obsessivo. Os protagonistas são uma menina má, que tem em mente a vívida imagem do que não quer ser e do que com certeza quer se tornar, um menino bom, perdidamente apaixonado por ela, e uma série de cidades onde os personagens vivem sua relação turbulenta. Nessa viagem proporcionada pela leitura, o leitor conhece a tradicional cidade de Lima no Peru nos anos 50, a Paris boêmia dos 60, a Londres hippie dos 70 e a movimentada e multicultural Madrid dos anos 80. Os protagonistas se encontram e se desencontram numa relação de veneração que o personagem principal possui pela menina má.

No relacionamento entre Ricardito e a menina má, não é sensato apontar culpados. Ele, talvez, por persistir em um amor obsessivo sem futuro algum? Ela, quem sabe, por explorá-lo materialmente e espiritualmente? Tradutor profissional, Ricardo Somocurcio alcançou uma grande meta em sua juventude: viver em Paris na década de 50, a capital do mundo. É em Paris, porém, onde ele vai reencontrar o seu amor adolescente, a menina má, e irá se viciar num relacionamento atípico, onde de um lado há doação e do outro há procura e sarcasmo. Nas ilusões do amor, Ricardito engana o próprio coração que se despedaça e se reconstrói inúmeras vezes a cada novo capítulo.

No seu romance, Llosa constrói uma reflexão sobre a demência que pode ser o amor, sobre o seu caráter irracional e a sina inerente a este sentimento: histórias com finais tristes. Aos relacionamentos que terminam bem, fica a dúvida se houve o amor e não apenas um pacto honrado entre os envolvidos para que se fortificasse ainda mais o costume da companhia que se alinha com o instinto natural de não sobreviver na solidão. A obra  também funciona como uma radiografia da paixão: como é possível amar a uma mulher que jamais baixa a guarda de sua impenetrável barreira contra os sentimentos? 

Nos assuntos da paixão, só nós sabemos de nós.
“E, com sua personalidade gélida, não hesitava em me procurar, convencida de que não havia dor, humilhação, que ela, com seu poder infinito sobre os meus sentimentos, não fosse capaz de apagar em dois minutos de conversa.”
Além de ser um romance amoroso, o autor se preocupa em registrar a história do Peru em retalhos que chegam a Ricardito por cartas ou noticiários: os golpes de Estado, as guerrilhas e a falta de esperança de uma nação, conferindo a história um tempero adicional que nos faz lembrar romances históricos e políticos. De encontros em desencontros, um pouco de história surge na narrativa de Llosa.

Lê-se Travessuras da menina má com avidez crescente, o que confirma que Mario Vargas Llosa é um tesouro da literatura latino-americana e um mestre no ofício de escrever. Na sua história, os temas recorrentes da paixão e da desilusão ressaltam as dores de Ricardito, mas também podem mexer com as dores daqueles que já passaram e sobreviveram nas mãos de uma menina má - ou menino mal, por que não?

Título: Travessuras da Menina Má 

Título original: Travessuras de la niña mala

Autor: Mario Vargas Llosa

Tradução: Ari Roitman e Paulina Wacht

Ano: 2006 

Páginas: 302 

Editora: Alfaguara