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EU, ELDER F.


Livros, filmes, fotografias e histórias contadas pela metade.

Resenha: 'Espera a primavera, Bandini' - John Fante

Há algo no inverno que faz com que as pessoas se escondam e que a vontade de sair de casa se atenue até desaparecer por completo. No início de 2015, época em que eu morava em Geneseo no estado de Nova York, encontrei no meu caminho uma das piores ondas de frio dos Estados Unidos, onde a sensação térmica em algumas cidades chegou a -50°C, inclusive a cidade onde eu morava. Enclausurado no apartamento por causa do frio, eu consultava as previsões diariamente torcendo pelos dias de sol e pela alegria que vem com a primavera. Assim, no momento em que li o título desse livro do John Fante, "Espere a Primavera, Bandini", lembrei dos meus sofrimentos no inverno e o quanto a primavera sempre vem cheia de promessas.
"Tempo de inverno, tempo de ficar de pé ao redor de aquecedores nos vestiários, simplesmente de pé ali contanto mentiras. Ah, nada como a primavera!" (Pág. 102)
John Fante nasceu nos Estados Unidos, mas os seus pais eram imigrantes italianos e constantemente lidavam com a xenofobia, falta de oportunidades e crises financeiras que faziam a família ir sentar-se à mesa do jantar acompanhados da pobreza e da melancolia do inverno. As intempéries da vida do escritor ítalo-americano deram aos seus textos uma veracidade tal que a sensação que se tem durante a leitura de sua obra é de que a voz do narrador é a própria voz do Fante. A auto-ficção tão conhecida de Fante, portanto, sustenta-se nas próprias dores e amarguras do autor e tem em "Espere a Primavera, Bandini" sua porta de entrada.

A história de "Espere a Primavera, Bandini" (1938), livro considerado prequel de "Pergunte ao Pó" (1939), nos transporta para o seio da família Bandini, constituída por Svevo Bandini, Maria Bandini e os seus três filhos, Arturo, Federico e August. A família Bandini conta com uma gigante dívida no mercadinho que por causa do inverno só faz aumentar, visto que Svevo não consegue trabalhar nessa temporada, e que denota a depressão financeira em que a família se encontra. Svevo e Arturo Bandini são os protagonistas da narrativa que, de um lado, mostra um pai oportunista que se esquiva de suas obrigações e, do outro, um filho que trava uma batalha entre seus preceitos religiosos e os seus pensamentos pecaminosos.
“Seu nome era Arturo, mas ele o detestava e queria se chamar John. Seu sobrenome era Bandini, mas queria que fosse Jones. A mãe e o pai eram italianos, mas ele queria ser americano. O pai era pedreiro, mas ele queria ser um lançador dos Chicago Cubs. Morava em Rockling, Colorado, população: 10 mil, mas ele queria morar em Denver, a 50 quilômetros dali. Seu rosto era sardento, mas ele queria que fosse limpo. Frequentava uma escola católica, mas queria ir para a escola pública. Tinha uma namorada chamada Rosa, mas ela o detestava. Era coroinha, mas era um demônio e detestava coroinhas. Queria ser um bom menino, mas tinha medo de ser um bom menino porque receava que seus amigos o chamassem de bom menino. Era Arturo e adorava o pai, mas vivia no temor do dia em que cresceria e seria capaz de bater nele. Venerava o pai, mas achava que a mãe era fraca e tola.” (Pág. 26)
A história de Fante é sitiada por conflitos que possuem como ponto de partida a família, a religião, a herança cultural e a ambição. A composição do perfil repleto de contrapontos exposto no trecho acima, que resume o que Arturo Bandini é e o que gostaria de ser, ressalta a essência de Arturo: a contradição. A contradição de Arturo permanece constante durante toda a narrativa da obra e é a responsável pelo amadurecimento gradual do jovem ítalo-americano, que vive entre constantes disputas internas sobre bem/mal e certo/errado. Os seus momentos de reflexão o fazem com frequência dar um passo para a frente mas logo em seguida dar dois para trás.

A escrita de Fante transforma simples momentos da família Bandini em poesia, como quando Arturo reclama de suas sardas, dizendo que elas parecem um monte de moedas espalhadas em um tapete. A escrita do autor também é simples, porém não confundir com uma escrita desleixada e sem preocupações. Ao contrário disto, a simplicidade de sua escrita se sustenta no fato de que é estritamente precisa ao mesmo tempo que consegue ser poética e envolvente. Essa sua característica muito lembra Charles Bukowski, ou seria mais prudente dizer que o estilo de Charles Bukowski remete a John Fante?

Ao contar a miserável história da família Bandini, John Fante cria uma narrativa repleta de dualismos, com poderes de conversar com o leitor em um nível bem diferente do que muitos já se acostumaram a ler. No prefácio de "Espere a Primavera, Bandini", Fante afirma que nunca lerá o próprio livro pois fica temeroso de se deixar expor por sua própria obra, pois certamente o tom confessatório da narrativa o faria reviver pesadelos antigos. Fante, portanto, sabia do poder que sua obra provocava em si mesmo, mas acredito que não imaginava também o poder que causaria em nós. Longe de falar de flores, seu livro relata a congelante espera por uma primavera de promessas e esperanças.

Título: Espere a primavera, Bandini

Título original: Wait Until Spring, Bandini

Autor: John Fante

Editora: José Olympio

Ano da edição: 2015

Ano da publicação original: 1938

Páginas: 208

Um comentário:


  1. Oi Elder!
    Quando a editora lançou esse livro no ano passado, cogitei solicitar (principalmente porque nunca li nada do Fante - olha que vergonha! rsrs), mas depois desisti. Nem tinha chegado ao fim da sua resenha e já estava arrependida da minha decisão.
    Essas contradições de Arturo devem fazer dele um personagem fascinante (adorei o quote que você escolheu para demostrar isso).
    Só fico com um pé atrás pelas comparações com Bukowski. Já li algumas coisas do autor e não curti muito.
    Beijos,
    alemdacontracapa.blogspot.com

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