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EU, ELDER F.


Livros, filmes, fotografias e histórias contadas pela metade.

Quando olhei o mundo através da fotografia


Em um dos números mais emblemáticos do musical Chicago (2002), onde as prisioneiras dançam o "Cell Block Tango" enquanto explicam o que as motivaram a assassinar seus parceiros, uma das detentas relata que diferenças artísticas em relação ao seu namorado a colocaram na cadeia. Desde então, utilizo a expressão "diferenças artísticas" como justificativa para quando não me dou bem com alguém - não que isso aconteça com frequência, claro. Mas ao fazer tal afirmação, parto do pressuposto de que todos nós possuímos alguma veia artística, às vezes escondida por trás de uma cara de vilão (desculpem-me os vilões). Uma poesia, uma foto ou uma pintura são nada mais do que manifestações dessa veia artística que nos permite mostrar o mundo do jeito que nós o concebemos, que nós o sentimos.

Desde cedo desenvolvi uma paixão por literatura, suscitada principalmente por causa de uma coleção bem antiga de livros do José de Alencar descoberta nas estantes de casa. Li "O Guarani", "Lucíola", "Iracema", "Cinco Minutos" e um dia, sem quê nem pra quê, me peguei escrevendo minhas próprias histórias. Os meus textos, ainda que abarrotados de palavras difíceis recém-aprendidas e nada excepcionais, eram de mais ninguém e a sensação era boa. Na literatura, achei uma maneira de me expressar artisticamente e não parei mais de escrever, acreditando ter encontrado minha forma de descrever o mundo a partir da minha perspectiva. Eu bem pouco sabia, mas um intercâmbio nos Estados Unidos iniciado há dois anos atrás me ajudaria a desenvolver mais uma nova forma de enxergar o mundo.

Nos meados de 2013, já fora do Brasil, enquanto eu caminhava em direção à universidade, deparei-me com meu colega de quarto caminhando na minha direção ao mesmo tempo em que ele fotografava. Ao perguntar o que ele estava fazendo, ele respondeu "fotografando". Intruso, questionei-o mais uma vez: "Mas por quê?". As imagens eram parte de um trabalho de uma disciplina sobre fotografia que ele estava fazendo. Enquanto ele me contava os detalhes e as técnicas sobre fotografia, a minha atenção era cada vez mais despertada. Entusiasmado, sugeri que andássemos ao redor do campus para fotografar. Ele, com uma Nikon, e eu, com o meu iPad, desbravamos a pequena universidade. E assim, em uma tarde de outubro que já abria as portas para as folhas secas do outono, descobri o quanto era bom fotografar.

Os meses que se sucederam depois da primeira experiência com fotografia foram frustrantes, pois eu não tinha dinheiro para comprar uma boa câmera e tive que me contentar com as fotos tiradas com o tablet . Nem vídeos ou tutoriais onlines eu me motivava para assistir, visto que todos requeriam que o estudante possuísse no mínimo uma câmera semi-profissional com abertura do diafragma, velocidade do obturador e ISO ajustáveis. No primeiro semestre de 2014, ainda de mãos dadas com o amadorismo, enviei uma das minhas fotos para uma revista de literatura da State University of New York at Geneseo que reunia fotos e textos dos alunos. Com uma alegria quase que boba fiquei sabendo que a minha foto tinha sido selecionada para estar na próxima edição da revista. Não entendi como a banca avaliadora poderia ter gostado de uma foto tão simples, mas vi nisso um sinal de que talvez eu estivesse no caminho certo e comecei a guardar dinheiro para comprar a minha câmera.

No mês de maio de 2014, após uma entrevista por telefone onde com muita gagueira da minha parte, consegui um estágio de verão em uma empresa chamada LexisNexis em Atlanta, Georgia. O verão chegou e sem pensar duas vezes usei o dinheiro do estágio para comprar uma Canon EOS Rebel T3i. A falta de técnica ainda era um problema, mas aos poucos eu aprendia conceitos básicos que já me proporcionavam resultados satisfatórios. Aprendi na escola técnica que o maior problema da nossa geração é que temos acesso à informação, mas isso não significa que temos acesso ao conhecimento, pois o conhecimento só vem depois de você processar a informação que está ao seu alcance e muitos acreditam que apenas ter acesso à informação basta. Obstinado a passar do nível da informação e chegar em algum conhecimento, comecei a assistir vídeos sobre fotografia digital, como os do Zona Da Fotografia.

A fotografia desperta um novo olhar no fotógrafo e, meio que estranhamente, ele se torna um caçador de ângulos e cenas, olhando para todos os lugares enquanto busca o que seria um bom click. De acordo com o estilo do artista, os olhos percorrem caminhos diferentes, ângulos estranhos e lugares curiosos. O propósito final, mostrar o mundo por outra perspectiva e falar sobre o cotidiano como o artista o vive e o percebe, se mantém. De diferentes maneiras o fotógrafo conta uma histórias e fala de sentimentos. A arte de fotografar, como todas as outras, se torna necessidade e, assim como Clarice Lispector falava sobre uma urgência de escrever, surge também no fotógrafo uma urgência de fotografar. E, ainda que eu não me considere um fotógrafo, essa urgência surge em mim vez em outra tal qual a urgência de escrever.


Foto tirada no dia 28 de Agosto de 2015 no Bosque Rodrigues Alves.

A fotografia, além de expressão artística, tem um grande poder de influência, pois ela pode estimular pensamentos críticos que reverberam mudanças. Até a publicação da polêmica foto do menino sírio sem vida em uma praia da Turquia, eu não tinha escutado com tanta frequência comentários sobre a crise dos refugiados. De repente, por causa de uma foto e da coragem de uma fotógrafa de capturar uma imagem que muitos prefeririam apagar da cabeça, praticamente todos estavam comentando sobre os refugiados. O assunto foi tão difundido que acredito não existirem mais pessoas com acesso à televisão ou jornais que desconhecem a crise migratória. Assim sendo, a foto se estabelece não apenas como uma expressão artística, mas também como meio de conscientização.

Ao entender o poder por trás da fotografia, decidi não me chamar de "fotógrafo" por acreditar que o caminho é longo e a formação e a experiência são fundamentais, ainda que uma parte da técnica eu já entenda. Há muito para se aprender e tanto caminho para percorrer que prefiro esperar pelos próximos episódios da minha descoberta dessa arte ainda tão nova para mim, mas que até então tem me rendido experiências únicas. Depois de assistir o "O Sal da Terra", sobre a vida do fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado, encontrei uma afirmação do mesmo que justifica a minha linha de pensamento. Nas palavras do próprio Sebastião: "Nunca se produziu tanta imagem. Fotografar é algo que se faz cada vez menos." Mas ainda que eu apenas tenha produzido imagens até então, nunca estive tão encantado por ter descoberto uma nova forma de experimentar o mundo.

4 comentários:


  1. Primeira coisa que preciso comentar é: Que belo texto.
    Eu acredito que todo mundo que passa pela experiencia de amor e excitação com a literatura, acaba por se descobrir um amante das outras arte. A pouco tempo , em 2013 ou 2014 não sei exatamente, me descobri uma apaixonada por fotos. Antes amava tirar fotos minhas mesmo, mas nesses últimos dois anos, eu cai de amores por tirar fotos de coisas e através da lente capturar muito mais do que apenas "coisas" e sim emoções , sentimentos e as vezes até o mundo.

    Enfim , parabéns pelo texto e pela foto!

    Beijos, Anna

    www.amigadaleitora.com

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  2. Olá

    Adorei o texto, a fotografia tá linda, você realmente leva jeito pra coisa.
    Sobre fotografar posso está errada, mas ao medo tempo que a tecnologia melhorou muita coisa e outros casos não foi bem assim, como a fotografia. todo mundo tem um celular que tira foto e acha que foto é tudo a mesma coisa, o que é uma pena, pois nesse ramo existem profissionais sensacionais.

    Bjss

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  3. Oie!!

    Nossa, primeiramente, parabéns pelo esforço e perseverança, e também pelo texto muito bem escrito. Que jornada né? Mas quando sonhamos com algo, devemos perseguir este sonho. E o seu é a fotografia (alem dos livros e tudo o mais). Não é uma área fácil, e com o avanço tecnológico menos ainda. O problema de comprar uma boa câmera, ter equipamento faz toda a diferença.
    Mas, agora, é só alegria pra ti! E não desista da fotografia hein!? Continue o caminho! Adorei a foto.

    Parabéns novamente pelo lindo texto!! Exemplo para muitos.

    Beijo!

    http://livrosontemhojeesempre.blogspot.com.br/

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