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EU, ELDER F.


Livros, filmes, fotografias e histórias contadas pela metade.

Resenha: 'On the Road' - Jack Kerouac

Nas amarras do acaso e influenciado pela leitura de "Pergunte ao Pó" do John Fante, dei início a uma viagem sem volta pela literatura beat, iniciando pelas poesias do Ginsberg em "Howl" e dirigindo com Kerouac em "On The Road" para em breve degustar de "Naked Lunch" do Burroughs. Coincidência ou não, quando decidi voltar no tempo e conhecer melhor a Geração Beat, encontrei uma edição de 1986 de "On the Road" perdida nas estantes empoeiradas de casa. Assim, a edição que figura no início dessa resenha não foi a que tive o prazer de ler, mas a escolhi para ilustrar a resenha pois (1) ela tem uma capa bonita, (2) eu não encontrei informações na internet sobre a edição de 1986 achada em casa e (3) o tradutor das duas edições é o mesmo, o Eduardo Bueno.

A Geração Beat apareceu em meados dos anos 50 nos Estados Unidos, sendo composta por um grupo de artistas, em sua maioria escritores e poetas, embalados por jazz e por um sentimento existencialista, onde o indivíduo tem uma sensação de desorientação e confusão face a um mundo aparentemente sem sentido e absurdo. Assim, o termo beat, bastante particular, passou a significar algo transgressor, produzido na sonoridade do jazz, ritmo que desencadeava em seus admiradores um processo de movimentação, transformação e mudança. O estilo de vida levado pelos beats, em muito diferente do então vigente american way of life, era considerado transgressor e aventureiro, indo de frente aos bons costumes e morais norte-americanos das décadas de 50 e 60.

Em abril de 1951, Kerouac escreveu a primeira versão do que mais tarde seria "On the Road". A narrativa espontânea da obra revelava uma realidade atípica da realidade que a maioria dos americanos idealizavam para as suas vidas. Na época, o manuscrito foi rejeitado por diversos editores até finalmente ter sido publicado em 1957, tornando-se logo em seguida sucesso instantâneo. Kerouac captou o que as ruas, as planícies e as estradas americanas bradavam no seu tempo, criando um livro que transformaria a forma de pensar das pessoas e influenciaria movimentos de vanguarda e os outros movimentos relacionados a arte e ao comportamento da juventude na segunda metade do século XX.
"Eu me arrastava na mesma direção como tenho feito toda a minha vida, sempre rastejando atrás de pessoas que me interessam, porque, para mim, pessoas mesmo são os loucos, os que estão loucos para viver, loucos para falar, loucos para serem salvos, que querem tudo ao mesmo tempo, aqueles que nunca bocejam e jamais dizem coisas comuns, mas queimam, queimam, queimam como fabulosos fogos de artifício explodindo como constelações em cujo centro fervilhante — pop — pode-se ver um brilho azul e intenso."
A obra possui uma narrativa autobiográfica, comum entre escritores beats, e conta os passos de Sal Paradise e Dean Moriarty em suas andanças errantes em busca de experiências, aventuras e a procura de si mesmos pelo continente norte-americano. A narrativa é intensa e repleta de experiências, descobertas e reflexões de um viajante durante seu percurso, seguindo o estilo de quest, onde o narrador sai em uma jornada de auto-conhecimento. Desta forma, as aventuras empreendidas por Sal e Dean não são orientadas apenas pelo impulso aventureiro, mas também possuem uma razão mais particular que envolve a necessidade de renovação interior ligada a filosofia, reflexão e revelações suscitadas pelas pequenas coisas e incidentes estranhos.
"Eu estava na metade da América, meio caminho andado entre o Leste da minha mocidade e o Oeste de meus sonhos futuristas."
Em "On the Road", Kerouac apresenta a vida sem raízes e sem destino ou, como consta no nome da versão em português, a vida pé na estrada, onde tudo é constante movimento, como que em oposição aos ideais de estabilidade e tranquilidade propostos pelo então estilo de vida norte-americano. Os casos de amor, os empregos, os destinos e as amizades que surgem pelo caminho possuem prazos de validade, enquanto que os "tchaus" são proferidos sem a certeza de que o outro voltará. Assim, diferenciando-se do estilo de vida sonhado pelas famílias americanas, os protagonistas da obra aproveitam a vida como regra máxima. Em um dado momento, Sal descreve a rotina de trabalho de Dean, soando como se estivesse descrevendo a própria vida itinerante que ele se deixa levar com Dean Moriarty.
"[Dean é] o mais fantástico garagista do mundo, ele é capaz de dar marcha a ré a sessenta quilômetros por hora num corredor exíguo e estreito, parar rente à parede, saltar do carro, correr entre os pára-choques, pular para dentro de outro, manobrá-lo a oitenta quilômetros por hora num espaço minúsculo, bater a porta com tanta força que o carro ainda balança, enquanto ele sai voando em direção à cabina de controle como um atleta na pista, alcança um novo ticket para um recém- chegado, e, enquanto o motorista ainda está saindo do carro, pula literalmente sobre ele, liga o motor com a porta entreaberta, e sai cantando os pneus em direção ao lugar disponível mais próximo, manobra outra vez, trava bruscamente, salta fora, inicia nova corrida entre os pára-choques, trabalhando assim oito horas por noite sem parar, no rush dos fins de tarde ou nas horas de pique na saída dos teatros, vestindo calças velhas, sujas de graxa, uma jaqueta rota, forrada de pele, e sapatos gastos, com a sola descosturada."
A obra tem como pano de fundo lugares onde a criatividade ganha existência e o autor, via narrador, deixa fluir de sua memória sua experiência de viagem, cortando um país de imagens culturais e mostrando as controvérsias de uma geração. A partir de Sal Paradise, Dean Moriarty e a viagem que fazem de Nova Jersey até o oeste dos Estados Unidos, atravessando o país inteiro a partir da lendária Rota 66, Kerouac inaugurou uma forma de narrar. Essa forma de narrativa presente no livro chegou até mim como um abraço saudoso e espalhou um cheirinho de intercâmbio e aventura no ar que há um tempo eu não sentia mais, visto que já faz um ano que retornei do intercâmbio nos Estados Unidos, onde minha rotina era repleta de experiências novas e aventuras.

A Geração Beat surgiu como uma uma cultura alternativa (ou contracultura) que não tivesse como alicerce a erudição tão respeitada pela sociedade ou a cultura de consumo. Kerouac e sua obra influenciaram gerações ao deixar a sua escrita alternativa mais próxima da sociedade que na época sofria as pressões do estilo de vida americano e a forte presença do capitalismo. Aventureiro, narrador moderno, questionador e poeta das realidades, Kerouac contribuiu significativamente com a cultura contemporânea, forçando gerações a refletirem sobre as condições do homem que vive inserido em uma sociedade que celebra a estabilidade, uma sociedade onde muitos vivem mas bem poucos sentem-se vivos.

Título: On the Road

Título em português: Pé na Estrada

Autor: Jack Kerouac

Ano da edição: 2013 

Ano de publicação: 1957

Páginas: 432 

Idioma: português 

Editora: L&PM

5 comentários:


  1. Oi Elder!
    A única coisa que li do Kerouac foi um livro de contos publicado pela L&PM. On the road é um daqueles livros que sempre ouvimos falar e que precisamos ler em algum momento da vida, não é mesmo? Mas confesso que não sei se o estilo do autor me agradaria, embora tenha gostado muito do primeiro quota que você citou. Enfim..preciso conferir um dia.
    PS: Esse "abraço saudoso" deve ter sido uma delicia ;)
    Beijos,
    alemdacontracapa.blogspot.com

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    1. Engraçado que sempre pensei isso também, Mariana! "Em algum momento da vida vou acabar lendo 'On the Road'..." e acabei mesmo, e cheguei no final e achando a obra tão única, ainda mais que não lembro de algum outro livro que eu tenha lido que se encaixe na categoria de road story, mas especialmente porque a obra te dá vontade de entrar num carro qualquer e sair sem rumo pra dar uma volta pelo mundo.

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  2. Comecei a ouvir falar da Geração Beat num livro de Buk quefala dos amigos escritores, já fiquei curioso pois se não me engano ele está incluído nessa galera né? Muito boa a resenha, adorei os detalhes agora só falta pegar o livro pq a vontade de ler só aumentou.

    Abs

    Ps: gostei das mudanças sutis no layout ;)

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    Respostas
    1. Eu mudei algumas coisinhas do layout sim, pra ver se o visual do blog ficava mai clean ;)

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  3. Olá! Não conhecia nem esse livro, nem o autor. Mas parece realmente interessante. =)
    Gostei da sua resenha! ^^

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