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EU, ELDER F.


Livros, filmes, fotografias e histórias contadas pela metade.

Resenha: 'Pergunte ao Pó' - John Fante

"[John] Fante foi meu deus e causou um importante efeito sobre mim", confessou Charles Bukowski em 1979 no prefácio de "Pergunte ao Pó". Ao declarar a influência de John Fante sob a sua escrita, Bukowski o colocou automaticamente na lista de autores clássicos contemporâneos. Se Bukowski, que muito escreveu sobre a crueldade que com frequência golpeia o homem, atribuiu a John Fante o título de deus, já deveríamos por este único motivo dar ao autor ítalo-americano a nossa atenção. Até o fim da leitura de "Pergunte ao Pó", Bukowski me convenceu da onipotência de Fante. É deus sim, mas deus do caos.

"Pergunte ao Pó", publicado inicialmente em 1939, é o romance mais conhecido do John Fante. Na década 80, a obra se transformou em um sucesso de vendas, mesma época em que ela foi publicada no Brasil pela editora Brasiliense, quase cinquenta anos depois de sua publicação original. Desde 2003, a editora José Olympio vem lançando novas traduções e edições das obras do autor.

No geral, Fante é um escritor ligeiro, humorado, com um toque um tanto quanto misógino e xénofobo, se formos levar em consideração as discussões atuais, mas que não se desprende do elemento principal de sua obra que é o homem. John é um escritor que com frequência permaneceu no estilo hoje chamado de auto-ficção: a maioria dos seus romances narram aspirantes a escritores de origem italiana vivendo na Califórnia na primeira métade do século XX, ou seja, alter-egos pouco disfarçados do próprio escritor.

"Meu apuro me empurrava para a máquina de escrever. Sentava-me diante dela tomado de pesar por Arturo Bandini. Às vezes, uma idéia pairava inofensivamente através do quarto. Era como um pequeno pássaro branco. Não fazia por mal. Só queria me ajudar, o pobrezinho do pássaro. Mas eu o golpeava, martelava o teclado, e ele morria em minhas mãos."

"Pergunte ao Pó" é considerada a obra prima de Fante, por, entre outros aspectos, conter o alter-ego do autor, o escritor Arturo Bandini, com o seu senso de humor cínico e destrutivo. No entanto, o que torna o romance especial é a humanidade dos seus personagens, que sim, fracassam, mas não se cansam de sonhar. Ao passo que a narrativa segue, acompanhamos Bandini se confrontar com seus inimigos corriqueiros: a falta de trabalho e dinheiro, a insegurança, a rejeição e, acima de tudo, a relação auto-destrutiva com a jovem mexicana de nome Camilla.

De algum modo, a curiosa descrição topográfica do hotel onde mora Arturo Bandini é um bom resumo do caos contido no romance: "Fora construído na encosta de um morro ao reverso, no cume de Bunker Hill, construído contra o declive do morro, de modo que o andar principal estava no nível da rua, mas o décimo andar ficava dez níveis abaixo. Se você tinha o quarto 862, entrava no elevador e descia oito andares, e para ir onde ficava o depósito você não descia, mas subia ao sótão, um andar acima do principal."

O caos na obra de John Fante é, no final, nada mais que o caos do nosso próprio mundo, o mundo de pó de onde viemos e com o qual, já pó, em breve nos uniremos.

Título: Pergunte ao Pó

Título original: Ask the Dust

Autor: John Fante

Ano: 2015 

Páginas: 208 

Editora: José Olympio

4 comentários:


  1. Eu simplesmente A-M-O esse livro! É um dos que ficam pertinho da cabeceira pra ler e reler sempre.
    Ótima resenha.

    Beijos,
    Ronize Aline

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    1. Eu gostei bastante, Ronize, inclusive graças a ele comecei uma maratona pela Beat Generation essa semana, então fica alerta que nos próximos dias deve tá saindo resenha de "Howl" do Allen Ginsberg, "On the Road" do Kerouac e "Naked Lunch" do Burroughs.

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  2. Eu entrei no seu blog hoje e pensei "caramba, dois autores beats resenhados essa semana", daí li o seu comentário aqui em cima agora e entendi. John Fante tem uma escrita interessante que ou você ama ou você odeia. E quanto a parte misógina que você falou, bem.. O politicamente correto tomou conta de tudo hoje, mas é sempre bom levar em conta a época em que a obra está contextualizada...

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    1. Nem te conto, sumano, mas tô lendo On the road pra resenhar!

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