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EU, ELDER F.


Livros, filmes, fotografias e histórias contadas pela metade.

Amanhã vai ser outro dia

É na sexta-feira à noite, quando volta pra casa carregando sacolas de supermercado na mão, que ele percebe o quanto vem se tornando uma versão mais nova e menos sofrida dos seus pais. No ônibus, com o corpo apertado entre as mochilas, ele pensa no próprio futuro. O pensamento volta com frequência na fila da padaria, no elevador do trabalho ou na praça de alimentação enquanto espera alguém. O futuro parece tão intangível mas tão real, tão pendurado na sua frente sem que possa ser alcançado.
Há dez anos atrás ele imaginava bem mais, mas os próximos dez anos a contar de agora carregam uma carga menor de expectativa. Na Internet, ele leu um artigo sobre a crise dos vinte anos e acreditou que a estivesse atravessando. Em casa, ao se abrir com os pais, encontrou outro diagnóstico: falta do que fazer. Quando decidiu conversar com algum outro membro da família, uma tia sugeriu uma corrente de libertação na Universal. Em face de tão pouco espaço para debate, decidiu esperar que o tempo o ajudasse a compreender os tudos da vida que andavam reverberando os nadas do dia-a-dia.
No final, ele não quer acabar como aquela mulher em Boyhood, que cobre o rosto com as mãos, no auge dos seus cinquenta anos, e chora ao constatar que esperava da vida tão mais e de si mesma tão além. “I just thought that would be more”, conclui a personagem frustrada. “Don’t we all think the same?” Ele se pergunta sempre que a cena passa pela sua cabeça.
Ao deixar o ônibus para trás, ele dobra a primeira esquina à direita e na porta de casa respira extenuado. Quando entra, retira os sapatos, guarda as chaves e observa por um instante o desenho que a janela da sala faz do mundo. Passa alguns minutos tentando compreender a obra de arte que se forma do lado de fora e não entende a predileção do artista por cinza. Nesse longo momento de contemplação, ele guarda o significado da pintura que não existe para depois.
No banho, ele permite que o beijo da água no seu rosto amenize o estado de inércia. Como que salvando suas forças, ele apoia as duas mãos na parede antecedendo um pranto que não vem. Acaba o banho, enrola-se na toalha ainda úmida da última vez e, antes de deixar o banheiro, lança um sorriso meio sem-graça para o seu próprio reflexo no espelho ao lembrar que amanhã vai ser outro dia. Durante todas as horas que se passaram, são esses últimos minutos que o deixam mais próximo de entender a cinzenta obra de arte que atravessa a janela da sala.

10 comentários:


  1. Que crônica bacana :)
    E, sabe, nem precisa estar na casa dos vinte pra questionar o quanto da paisagem cinzenta da janela vivemos todos os dias.

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  2. Ola adorei o texto, crise dos vinte hehe , é nesse momento que devemos mudar para melhor nosso futuro, tomar atitudes . abraços

    Joyce
    www.livrosencantos.com

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  3. Oie!!!
    acho que estou nessa fase também viu, sei lá parece que apesar de tudo que você faz ainda é pouco, Ainda não é o certo. Enfim adorei o texto, espero que superemos isso amigo ;)
    bjs

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  4. ''amanhã vai ser outro dia''

    Oi, adorei o conto, parabéns.
    Abraços

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  5. Nossa que conto mais interessante, gostei bastante, até me fez refletir um pouquinho, engraçado como as coisas acontecem, hoje eu me peguei pensando algo parecido com isso, abraços

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  6. Oi!
    Adorei o texto, e confesso que as vezes me sinto da mesma maneira.
    Parabéns pelo lindo conto!

    Abraços
    http://ummundochamadolivros.blogspot.com.br/2015/07/resenha-predestinadas-por-jessica.html

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  7. Acho que nem é necessário chegar aos vinte anos para ter esse tipo de pensamento. Tentar olhar para o futuro é algo inevitável. Antes eu nem era chegada em contos, mas esse me despertou um interesse enorme. Adorei!

    Beijos,
    Império Imaginário | Fernanda Goulart

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  8. Nossa, como vc escreve bem! Adorei seu miniconto <3 Super me identificando aqui xD


    xoxo
    http://www.amigadaleitora.com/

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  9. Adorei texto, já pesei por essa crise e posso dizer o quanto é horrível se sentir sem rumo, como se tudo perdesse o significado.

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