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EU, ELDER F.


Livros, filmes, fotografias e histórias contadas pela metade.

Do retorno ao Brasil, dos novos olhos e da saudade de casa

Na segunda metade de 2013, enquanto lia How to Read Literature Like a Professor do Thomas Foster, me deparei com a seguinte frase no início do primeiro capítulo: "Cada viagem é uma busca". Na hora, a afirmação fez mais-ou-menos sentido para mim, mas logo compreendi o que o autor queria dizer quando vi minha própria experiência de intercâmbio refletida nesse conceito de busca. Na visão do autor, uma busca seria uma jornada que tem seu real motivo disfarçado por um motivo aparente, sendo que o motivo real da jornada pode ser desconhecido em um primeiro momento. Assim, quem sai em uma busca seria um aventureiro tal como Bilbo em O Hobbit, um indivíduo que, cheio de pose e audácia, enche o pulmão de coragem enquanto tira do peito o desapego e esbraveja: I'm going on an adventure.

Foi assim que, há dois anos atrás, movido por esse ímpeto de busca e, até certo ponto, uma vontade estranha de partir, deixei o Brasil em direção aos Estados Unidos para um intercâmbio de um ano e meio de duração. Na época, eu tinha a certeza de que deixava a minha terra com o claro objetivo de melhorar meu inglês e aprimorar a minha experiência acadêmica e profissional, mas depois de um tempo me convenci de que, ainda que o propósito inicial estivesse sendo alcançado, a mudança mais extrema estava acontecendo em níveis mais internos em mim. Eu, que antes enxergava tudo a minha volta com um olhar condescendente, tornei-me então um observador, andando pelo mundo divertindo gente, chorando ao telefone, prestando atenção em cores que eu não sei o nome e vendo doer a fome nos meninos que têm fome.

Em poucos meses lá fora, vivi o que não consegui viver por aqui em anos. Fiz amigos da Coréia do Sul, China, França, Espanha, Índia, Holanda, México e outras tantas regiões. Descobri, depois de ter feito um brinde em uma festa de réveillon e ter sido alvo de olhares estranhos dos meus amigos japoneses, que o termo "tin-tin" usado no Brasil na hora de brindar significa "pênis" no Japão. Dancei músicas brasileiras no exterior que eu provavelmente não dançaria se estivesse no Brasil. Prometi que iria rever muita gente em algum lugar distante no futuro. Criei neologismos advindos da junção do inglês com o português. Constatei que a neve só é divertida na primeira semana do inverno. Cortei meu próprio cabelo inúmeras vezes e não necessariamente tive bons resultados. Visitei lugares inimagináveis por sua grandeza e inesquecíveis por causa das companhias que trazia comigo. E cheguei a conclusão, ao fazer amigos de todas as partes do globo, de que as melhores amizades são aquelas que te fazem enxergar o mundo sob uma nova perspectiva.

Finalizado esse período tão intenso, preparei-me enfim para voltar ao Brasil. Nos meus dias finais na terra do Obama, olhava tudo com aqueles olhos de despedida, aqueles que observam além do que se nota no dia-a-dia. Porém, ainda que eu estivesse vivendo em terras gringas há mais de um ano, eu não tinha perdido o meu título de estrangeiro e, por isso, também sentia saudade de casa e olhava o futuro no Brasil com um ar promissor. Sendo assim, joguei na mala minhas lembranças e embarquei de volta para o Brasil. Mas quando cheguei, para minha surpresa, percebi que mesmo em casa, no lugar onde nasci e me criei, estranhamente eu ainda me sentia um estrangeiro. Nada mais era o mesmo, ou melhor, era tudo o mesmo, mas não para mim. Observando cauteloso tudo a minha volta, cheguei a conclusão de que a experiência lá fora tinha me transformado em um eterno estrangeiro.

Quando cheguei nos Estados Unidos, pensei ter compreendido o Brasil e, em dezembro do ano passado, quando cheguei no Brasil, pensei ter compreendido os Estados Unidos. No final, cheguei a conclusão de que não tinha compreendido nada, claro. Nada mesmo, nem o que estava acontecendo comigo. Os meus olhos atentos buscavam por tudo e eu me calava num descontentamento. Comportamentos que antes eu enxergava de maneira tão indiferente, agora me incomodavam e, motivado por isso, comecei a enxergar oportunidades de melhoria ao meu redor. Como descreve Caio Fernando Abreu em "Para sempre teu, Caio F.", relatando sua chegada no Brasil depois de uma temporada na Europa: “Vi o Brasil. Eu nunca tinha visto quando vivia aqui. Quero dizer: o punhal cravado no ovo fez sangrar, mas depois desse VER com maiúsculas surgiu a urgência das pedras de Calcutá.”

A partir desse novo VER com maiúsculas foi que percebi, então, que a maior e mais importante consequência do intercâmbio estava na forma como passei a enxergar o meu país quando retornei para casa. Não digo que a carga acadêmica adquirida foi insignificante, pois não foi, mas o contato com diferentes culturas lá fora me fez enxergar com sensatez o que acontece aqui dentro e essa outra perspectiva me tornou mais humano. Antes, o que eu via no Brasil com olhar de indiferença, começou a ser percebido com um olhar de interesse e, como consequência desse olhar de interesse, nasceu em mim a vontade de estar sempre buscando melhorias ao meu redor, tanto no aspecto social quanto infraestrutural. Esse ver descrito por Caio F. estimulou o melhorar e, no momento em que me dei conta disso, descobri enfim o motivo real do meu intercâmbio, da minha busca: aprimorar a forma como vejo mundo.

Quando minha busca terminou e eu já tinha nas mãos a moral da história, pensei finalmente estar pronto para novas aventuras. No entanto, percebi que um outro sentimento não mudava depois de todo esse tempo: eu ainda me sentia um estrangeiro em casa mesmo depois de quase cinco meses do meu retorno ao Brasil. De alguma forma, a sensação me incomodava, pois em casa me sentia um forasteiro, no exterior sempre seria um estrangeiro e, no final das contas, eu não tinha casa e nem endereço. Procurei entender essa sensação e, enfim, cheguei a conclusão de que a máxima "casa é onde o seu coração está" não poderia ser mais verdadeira. Não é que eu estivesse me sentindo um estrangeiro, mas é que eu não poderia habitar ao mesmo tempo as diferentes casas onde deixei um pouco de mim, do meu coração. Compreendi, então, que o melhor não era me auto-denominar um eterno estrangeiro, mas um cidadão do mundo, com casas ao redor do globo inteiro, algumas velhas conhecidas e outras ainda por conhecer.


4 comentários:


  1. Oi Elder!
    Que bacana a sua experiência. Nunca fiz intercâmbio, mas acho que é algo que todo mundo deveria fazer um dia. Acho que deve ser incrível esse olhar novo que você aprende ter sobre o lugar de onde veio.
    Beijos,
    alemdacontracapa.blogspot.com

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  2. Legal ~~o fim~~ acompanho teus relatos desde o início, tenho muita vontade de fazer isso também mudar de perspectiva e tal. Deve ser tenso o jetlag, o cerebro ja acostumado a falar ingles etc HUASHSAUHSA.

    Abs

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    Respostas
    1. Eu seeeei, estavas sempre aqui comentando nos meus posts sobre intercâmbio. Pois é, acabou *crying a river*, mas ao menos ficaram ótimas lembranças e promessas de retornar para os EUA em 2017. Sobre o cérebro estar acostumado ao inglês, posso dizer que a primeira semana foi complicada. No aeroporto mesmo quando cheguei, lá em Manaus, empurrei sem querer a mala de uma senhora e falei "sorry", ela me olhou estranhamente e enfim me toquei "desliga inglês, turn on português", mas já tá passando essas loucuras cerebrais. Um amigo me disse, porém, que meus textos refletem isso por causa de algumas expressões que eu ainda uso, pois é como se eu estivesse traduzindo expressões americanas. Enfim, uma hora isso passa.

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  3. Oi guri, descobri por acaso teu blog , tenho sessenta e dois anos e agora comecei a fazer umas viagens curtas por esse mundão. E esse teu texto teve tudo a ver comigo. Depois da primeira viagem, quando retorno, parece que aqui não é o meu lugar..... Queria sair de novo... Mas a bendita grana e agora a crise desse país me assusta. Parabéns , amei a leitura.

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