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EU, ELDER F.


Livros, filmes, fotografias e histórias contadas pela metade.

Da arrogância, da readaptação e das diferenças culturais

De vez em quando, em notícias pela internet, encontro comentários exagerados no estilo "isso só acontece no Brasil" e me ponho a pensar na origem de todas essas alegações. O Brasil não é, e todos sabem disso, a terra das galinhas que botam ovos de ouro, mas o exterior também não é esse dia-a-dia de Friends onde as pessoas estão sempre felizes. Após experimentar a vida nos Estados Unidos por dezesseis meses e voltar para a minha terra, observei que sim, alguns comportamentos e situações que encontramos no cotidiano são bem características nossas e que podemos aprender com outras culturas a eliminar alguns péssimos hábitos que na maioria das vezes nem percebemos que estamos cultivando.

Na semana passada, cheguei no Brasil e dei início ao processo complicado de readaptação. Em algumas questões, o nosso país se destaca em relação aos outros. Em outros aspectos, os quais eu chamo de possíveis oportunidades de melhoria, a gente ainda age de uma maneira interessante que merece ser discutida. No dia-a-dia, evito sentenças que contenham "nos Estados Unidos" para prevenir que pessoas pensem em mim como um sujeito esnobe ou paga pau de gringo. No entanto, no almoço em família que tive hoje, alguns comportamentos me intrigaram e, para não interpretar o papel do presunçoso, decidi expressar os meus pensamentos aqui no meu blog.

Na mesa do almoço do restaurante, duas atitudes me chamaram a atenção. A primeira foi que, depois de todos satisfeitos, pedi que o atendente colocasse  o que sobrou de comida em algum recipiente - e sim, sobrou bastante. Nos Estados Unidos, é comum pedir um recipiente para salvar o que você não comeu e, na companhia dos meus amigos americanos, chegamos até mesmo a fazer isso em restaurantes "chiques" sem julgamento algum. Mas já na mesa do restaurante aqui, alguns olhos dos presentes se viraram quando fiz o pedido e o garçom também se espantou com um olhar de quase reprovação. 

O segundo comportamento que me chamou a atenção foi quando alguém da família, logo após o jovem que estava nos servindo ter passado por nós, sugeriu em tom de brincadeira para um dos mais novos presentes que ele trabalhasse como garçom também. Algumas risadas ecoaram na mesa. "Eu? Jamais." A mesma pergunta foi direcionada para um outro. "Eu não, tu é doido é?"  A ideia implícita de não vou me sujeitar a esse estilo de trabalho foi processada por mim como arrogância no seu mais fino estado da arte. Não apenas pelo desmerecimento do trabalho do garçom, mas pelo sentimento de eu sou melhor que isso e prefiro ficar desempregado do que servir a mesa dos outros que emanou da afirmação.

Nos Estados Unidos, a forma como os mais jovens lidam com a questão do trabalho me surpreendeu. Todos os amigos americanos que fiz, sem exceção, trabalhavam ou já tinham trabalhado em lojas varejistas como caixas ou vendedores ou então já tinham sido garçons em restaurantes e lugares no estilo McDonald's. Diferente do Brasil, onde algumas pessoas jamais se imaginariam nessas posições por terem vergonha, lá é considerado uma vergonha, por exemplo, estar no ensino médio e não ter trabalho nenhum. Nos restaurantes de lá, você encontra universitários em busca de um dinheiro extra no fim do mês. Enquanto que aqui, a situação pode acabar sendo um pouquinho mais diferente.

Em vários lugares do Brasil, há uma febre constante por querer ser top que acomete pessoas que acreditam piamente que são melhores que tantas outras e por isso fazem de tudo para não parecerem "pobres". No final do dia, cheguei à conclusão de que esses dois comportamentos devem estar, de alguma forma, interligados a essa necessidade de manter um certo status e de conservar a imagem de realeza. Infelizmente, a nossa vaidade acaba nos transformando em pessoas medíocres, mas é sempre válido lembrar que mais do que se preocupar com status, deveríamos nos preocupar em ser pessoas melhores. Na hora do almoço, quando tudo aconteceu, evitei as frases comparativas com os Estados Unidos, mas dentro da minha cabeça, a música da Lorde ecoou: we will never be royals.

8 comentários:


  1. Bom, mas de onde será que essa vontade de fazer parte de um grupo mais favorecido vem? Li estes tempos que a obsessão de gays com a imagem da riqueza (EU SOU RYCA!) pode ser instigada, até certo ponto, pela tentativa de equilibrar os status que os desfavorecem na sociedade. Será que essa obsessão brasileira com isso não é resultado de algo muito similar, também?

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  2. Adorei suas comparações, não sabia disso, e realmente, aqui tem a mania de querer ser "top", "famosinho", e não se sujeitar a alguns trabalhos, como se isso fosse uma humilhação! Talvez seja por essa cultura, que o país e os jovens estão do jeito que tá.

    http://blogquerida.blogspot.com.br/

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  3. Oi, Elder! Adorei o seu texto e compartilho dessa sua opinião! Aqui onde eu moro há um monte de pessoas que querem ser tops e fingem ser quem não são, tratando os "mais inferiores" com arrogância e indiferença! Acho isso lamentável...

    Abraço

    http://tonylucasblog.blogspot.com.br/

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  4. O interessante é que nós, brasileiros, queremos atingir um status superior sem precisar passar pelos estágios naturais de trabalho para crescer, que envolvem essa escalada. Na verdade, queremos ser "top" sem escalar nada. O "jeitinho brasileiro" de viver, nos tornou preguiçosos e desejosos de vida fácil em todos os sentidos. Que seja que nem na novela, onde eu fico rica só com meu olhar misterioso para um homem rico, porque ele não vai me resistir. Que eu amaldiçoe a corrupção política, enquanto fico com troco errado, fura a fila e chamo quem é honesto de "otário". E alguém chame o elevador, for god's sake, que eu tô indo pra cobertura!

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  5. Oi Elder!!
    Depois de fazer uma viagem durante um certo período de tempo é impossível não fazer comparações, eu moro em Aracaju e fui visitar uma amiga em São Paulo passei 12 dias com ela, e quando voltei para casa fiquei a comprar imagina você foi mais longe e por muito mais tempo!
    Sabe as questões tocadas por você, já estão enraizadas em nossa cultura. Pedir pra embrulhar a comida para ler faz você "parecer" diversas coisas, morto de fome, canguinha e nunca é nada bom e por já estar na cultura tem gente que não faz por vergonha.
    A outra questão é mais enraizada ainda porque vem não somente na cultura ela é ensinada em casa "Meu filho estude para ser alguém na vida". Então achar que alguns trabalhos são vergonhosos são impostos a nós inconscientemente desde tipo SEMPRE. A nossa cultura é realmente de superioridade, mostrar que estão sempre por cima da carniça, mesmo que quando chegue casa não tenha nada para comer!

    Xo
    Re.View

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  6. Oi! ^^
    Tudo bem?
    É exatamente esse tipo de comportamento que me entristece aqui no Brasil. Não tenho nem muito o que dizer. Seu texto disse tudo. Acho que a explicação para a maioria dos problema que o Brasil tem não está na falta de dinheiro para hospitais, escolas, e sim nesse comportamento de "membro da realeza" passado de pais para filhos. Humildade não está relacionada com sua conta bancária e não faz mal à ninguém.
    Imagino quão difícil deve estar sendo sua readaptação. Eu nunca consegui me adaptar por completo. Quase sempre sinto-me como se fosse uma estrangeira.

    Beijusss;

    http://hipercriativa.blogspot.com.br/
    https://www.facebook.com/BlogMenteHipercriativa

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  7. Muito interessante! O que eu posso dizer? Se sobra muita comida, eu peço pra levar mesmo! Paguei, e nao vou ficar desperdiçando comida, gente! Ainda mais se a comida é boa! -.- Hahaha! Mas concordo que brasileiro tem algumas manias irritantes, e olha q nem viajei pra lugar nenhum... Essa presunção de que existe emprego bom e ruim... Gente, emprego bom é o emprego que paga! Estou terminando meu mestrado em química, e procurando emprego. Ja comentei milhares de vezes que, se n conseguir algo na minha área, trabalho no shopping sem problemas, e a quantidade de gente que me olhou torto e me chamou de maluca... Quem dera se eles pagassem também a minha conta! -.- Uma sugestão, você poderia comentar algumas coisas que são boas aqui e nao la, né? Eu sou totalmente curiosa nessas diferenças culturais, ia curtir saber o outro lado também! =D

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  8. Interessante os costumes americanos, até em filmes é "natural" os jovens trabalhando em lojas de departamento enquanto por aqui é vergonhoso (vergonha de ganhar dinheiro? Como assim?) ainda bem que disso n sofro fui acostumado com "todo trabalho e digno" ev acho ridículo essa posição de menosprezar uma profissão. Temos muito que aprender por aqui ainda D:

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